segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Especialistas discutem futuro da narrativa e revolução transmídia

O diretor de criação do filme Avatar participou do debate no Rio de Janeiro

Uma nova forma de contar histórias. Este foi tema do Seminário Internacional Regiões Narrativas: Cultura e Subjetividade no Mundo Virtual, que aconteceu nos dias 24 e 25 de agosto, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com apoio do Globo Universidade. Especialistas em narrativa transmídia do Brasil e dos Estados Unidos discutiram o impacto da comunicação convergente, capaz de ampliar o ciclo de vida do conteúdo narrativo, mobilizar a audiência e transformar pessoas comuns em protagonistas de histórias espalhadas por diferentes plataformas.
Noah Wardrip-Fruin fala sobre games ficcionais na abertura do seminário (Foto: Kiko Cabral)
Noah Wardrip-Fruin fala sobre games ficcionais na abertura do seminário (Foto: Kiko Cabral)
A palestra inaugural, no dia 24 de agosto, foi ministrada por Noah Wardrip-Fruin, professor de Ciências da Computação da Universidade da Califórnia (Santa Cruz/EUA) e especialista em mídia digital e jogos de computador. O coordenador do Grupo de Software Studies no Brasil e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Cícero Silva, mediou o debate. Na mesa A linguagem dos games e o futuro das narrativas, Wardrip-Fruin mostrou exemplos de jogos com enredos complexos e bem elaborados, cujo teor ficcional presente é tão importante quanto o objetivo de superar obstáculos e passar de fases. “O game Dragon’s Lair, criado nos anos 80, foi pioneiro em misturar um enredo à dinâmica do jogo”, disse. “Atualmente, o game Uncharted 2 é quase um filme de ação, foi elaborado para envolver o jogador”, exemplificou.
Noah mostra o game Uncharted 2: "Quase um filme de ação" (Foto: Kiko Cabral)
Noah mostra o game Uncharted 2: "Quase um filme de ação" (Foto: Kiko Cabral)
Wardrip-Fruin também mostrou a narrativa transmídia presente em outros jogos, como The Sims, Shade, Heavy Rain, além dos Role-Playing Games (RPG’s): “Nesses games, você participa de um mundo ficcional, representa papéis, faz pequenas escolhas e se sente realmente responsável, pois o desfecho da história depende de você”, afirmou. Para ele, os jogos podem fazer o que o cinema faz e mais: “Os games podem ir além, pois quando assistimos a um filme ou lemos um livro, não temos a sensação de conquista e de poder de decisão que um jogo nos permite”, completou.

O professor mostrou ainda um projeto de jogo que está desenvolvendo com seus alunos na Universidade da Califórnia, chamado Prom Week. “Trata-se de um game de relacionamentos entre jovens em que você toma decisões afetivas por eles, ou seja, estamos criando uma lógica padrão que expressa a mente adolescente”, disse. “Espero por um futuro de ficção pertencente aos que sabem contar histórias e criar sistemas”, finalizou.
Arthur Protasio e Renata Gomes participam segunda mesa do seminário (Foto: Kiko Cabral)
Arthur Protasio e Renata Gomes participam da segunda mesa do seminário (Foto: Kiko Cabral)
A mesa seguinte, intitulada Espaço, corpo e subjetividades, teve a participação de Brett Stalbaum, professor da Universidade da Califórnia (San Diego/EUA), Renata Gomes, coordenadora do curso de pós-graduação em Roteiro Audiovisual do Centro Universitário SENAC São Paulo, Marta Pinheiro, professora da Escola de Comunicação da UFRJ, com a mediação de Arthur Protasio, Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas.

Renata Gomes definiu a narrativa como matriz de pensamento e falou sobre o impacto que isso gera sobre os games: “Ver-se pelos olhos do outro é a nova experiência que esse advento traz”, resumiu. Brett Stalbaum falou sobre a conversão entre o espaço virtual e o espaço físico e mostrou exemplos de intervenções urbanas, que misturam arte e interatividade a paisagens cotidianas: “É importante entender o que nos circunda, afinal, o mundo é um processo interativo”, afirmou.
Brett Stalbaum e Marta Pinheiro discutem a subjetividade nos mundos virtuais (Foto: Kiko Cabral)
Brett Stalbaum e Marta Pinheiro discutem a subjetividade nos mundos virtuais (Foto: Kiko Cabral)
Marta Pinheiro falou sobre o fenômeno das proliferações de perfis em redes sociais: “Inicialmente, só existe a ‘não imagem’, até que o usuário preenche a sua imagem com as características que escolhe para mostrar na rede”, disse. “Mas é interessante pensarmos que os faraós egípcios já usavam descrições ligadas às suas imagens muito antes deste advento”, refletiu.

Criação e tecnologia digital

No dia 25 de agosto, o seminário apresentou mais duas mesas de debate. A primeira era intitulada Convergência, interatividade e criação no universo transmídia. O debate contou com a participação de David Charles, diretor de criação e escritor que trabalhou no processo transmídia do filme Avatar, de Maurício Mota, criador do grupo The Alchemists e de Cristiane Costa, coordenadora do curso de Jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ. Ilana Strozenberg, vice-coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, conduziu a apresentação.
Maurício Mota: "A narrativa transmídia estende histórias, valoriza personagens e envolve a audiência" (Foto: Kiko Cabral)Maurício Mota: "A narrativa transmídia estende histórias, valoriza personagens e envolve a audiência"
(Foto: Kiko Cabral)
Maurício Mota destacou como pontos da narrativa transmídia a capacidade de estender histórias, valorizar personagens que não são os principais e envolver a audiência. Ele levantou uma questão: “O que Shakespeare e Nelson Rodrigues fariam com seus enredos na cultura da convergência?”. O pesquisador concluiu sua indagação dizendo que trabalho, talento e criatividade, mesmo com todas as novas plataformas, continuam sendo os principais ingredientes para o sucesso de qualquer empreendimento. “É preciso sair da zona de conforto”, afirmou, citando como exemplo a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, que acontecerão no Rio de Janeiro: “A Copa e as Olimpíadas estão sendo tratadas como eventos, mas são muito mais que isso. São verdadeiras plataformas narrativas e muitos não estão percebendo essa oportunidade de contar histórias sobre o país”, disse.

David Charles contou como foi trabalhar ao lado do diretor James Cameron e falou sobre os bastidores da superprodução Avatar. O diretor de criação deu três dicas para quem pretende trabalhar com conteúdo transmídia: “Foque em uma mensagem singular, use mídias em formatos que sejam pertinentes ao público, dê ferramentas para o público se sentir dono da história e a propagá-la por conta própria”, aconselhou. E concluiu reforçando o que, a seu ver, é realmente importante para o sucesso: “Tecnologias mudam, tendências mudam, mas histórias nunca vão mudar. Histórias criam conexões humanas”, disse.
David Charles, diretor de criação e escritor que trabalhou no processo transmídia do filme Avatar (Foto: Kiko Cabral)
David Charles, diretor de criação e escritor que trabalhou no processo transmídia do filme Avatar
(Foto: Kiko Cabral)
A palestra de encerramento foi ministrada por Mark Amerika, professor da Universidade do Colorado e pioneiro em processos digitais que envolvem artes visuais, performances ao vivo, internet, cinema e literatura experimental. Giselle Beiguelman, mídia-artista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, coordenou a mesa, intitulada Sem fronteiras – As novas estéticas de uma arte híbrida. Amerika iniciou sua fala destacando as características que considera mais importantes para a narrativa transmídia: “É antiautoritária e interdisciplinar”, disse. Ele também destacou o poder de agregar públicos fragmentados que a ferramenta possui e defendeu a abstração que o processo transmídia requer: “O abstrato, ou virtual, é mais que o potencial latente das matérias, é o potencial do potencial”, refletiu.
Mark Amerika, professor da Universidade do Colorado e pioneiro em processos digitais (Foto: Kiko Cabral)
Mark Amerika, professor da Universidade do Colorado e pioneiro em processos digitais (Foto: Kiko Cabral)
O artista exibiu trechos do filme Immobilité, que fez usando um telefone celular, e explicou seu processo de criação. “A ideia por trás deste trabalho é a desfamiliarização. Para criar, é necessário se perder no fluxo da subjetividade, pensar no meio como artista e também no artista como um meio”, disse. "Meu objetivo é expressar a possibilidade de novos mundos e apagar a distinção entre vida e arte", finalizou Mark Amerika.

O seminário aconteceu no auditório da Casa da Ciência (UFRJ) e foi realizado pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea do Fórum da Ciência e Cultura da UFRJ (PACC/FCC/UFRJ), em parceria com o Instituto Contemporâneo de Projetos e Pesquisa (O Instituto) e a Software Studies Initiatives no Brasil.

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